Flexibilidade e propósito ditam mercado

24 de junho de 2022 às 0h30

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Bonic: é preciso ouvir funcionários e outros stakeholders | Crédito: Mercer

“Gente feliz trabalha mais e melhor”. A máxima que parece tão óbvia  nem sempre fez parte do mundo do trabalho. A necessidade de conciliar não apenas as agendas, mas também as necessidades e vontades pessoais e do mundo corporativo vinha crescendo nos últimos anos, especialmente depois da chegada das gerações mais recentes às empresas. Tudo isso, porém, tomou novo impulso durante a pandemia.

De acordo com um recente estudo da Mercer – consultoria global em carreira -, quatro em cada cinco executivos C-Level acreditam que as agendas de pessoas e negócios nunca estiveram tão interligadas. Ouvir atentamente todos os públicos envolvidos, usar dados para descobrir padrões e direcionar ações, além de falar sobre questões que considerem o que é importante para os funcionários, fortalecem a organização como uma opção de escolha para aqueles trabalhadores que podem decidir com qual organização desejam trabalhar.

A missão, porém, não é nada simples. Em pesquisa desenvolvida pela Robert Half – uma das maiores empresas de recrutamento especializado no mundo -, 41% dos executivos brasileiros entrevistados assumiram ter feito alguma contratação equivocada nos últimos 12 meses. E pior, de acordo com 81% dos entrevistados, os impactos desse erro são ainda mais severos do que há um ano. Perda de produtividade na área envolvida, queda de engajamento da equipe e prejuízos financeiros são alguns dos danos que merecem destaque.

Flexibilidade e propósito são palavras de ordem nesse novo tempo. Ainda segundo o relatório da Mercer, algumas tendências já podem ser entendidas como consolidadas e, independentemente do setor ou do porte, as empresas precisam se atentar para que a prática reflita com honestidade e clareza o discurso.

Redefinir prioridades para garantir a relevância para clientes, investidores e colaboradores é fundamental. Isso significa flexibilidade e capacidade de adaptação. O desafio é adotar um novo modelo operacional de trabalho, que permita que os colaboradores de toda a organização tomem decisões orientadas por valor no seu dia a dia.

Os colaboradores querem trabalhar para empresas que reflitam seus valores pessoais. 96% deles esperam que seu empregador adote uma agenda de sustentabilidade que equilibre resultados financeiros com questões sociais, diversidade/equidade e impacto ambiental. No entanto, apenas 55% dos colaboradores dizem que sua empresa está atendendo a todas as suas necessidades.

Segundo a líder de Estratégia e presidente de Carreira da Mercer, Ilya Bonic, as empresas que não ouvirem seus funcionários e outros stakeholders perderão investidores e dificilmente reterão talentos.

“Organizações flexíveis estão se pronunciando sobre o que representam e priorizando o estabelecimento de boas práticas de trabalho que reflitam os valores de seus stakeholders. Elas ouvem incansavelmente o que impulsiona o comportamento do consumidor e dos colaboradores, e sua estratégia está focada na construção de culturas e práticas que são adaptáveis”, explica Ilya Bonic. 

Não é à toa que as demissões a pedido do colaborador são o principal motivo dos desligamentos de profissionais qualificados em 2021 no Brasil. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostram que 49% dos desligamentos ocorridos no quarto trimestre de 2021, entre profissionais qualificados, ou seja, pessoas a partir dos 25 anos e com formação superior completa, aconteceram a pedido do próprio colaborador, de forma voluntária. Ao longo de todo o ano, 48% do total de afastamentos seguiu essa motivação, enquanto 41% representaram demissões sem justa causa. Os 11% restantes abarcam desligamentos motivados por fim de contrato, acordo, justa causa, aposentadoria e morte.

Os dados oficiais estão em linha com outra tendência apontada pela consultoria: a substituição do modelo de “comando e controle” pela construção de confiança. 96% dos executivos afirmam que estão em um mercado de trabalho centrado no colaborador e 70% dos profissionais de recursos humanos (RH) estão prevendo um turnover maior do que o normal este ano – principalmente no que diz respeito aos trabalhadores mais jovens e aos que estão no mercado digital.

Essa confiança é um dos pilares do trabalho remoto, porém essa ainda é uma relação complicada dentro das empresas. 62% dos funcionários responderam que só ingressariam em uma empresa se pudessem trabalhar de forma remota e/ou híbrida, e 74% acreditam que sua organização terá mais sucesso com o trabalho remoto e/ou híbrido. Por outro lado, 72% dos executivos estão preocupados com o impacto do trabalho remoto na cultura organizacional, pois 75% dizem ter uma cultura de aprendizado hoje em que as pessoas aprendem lado a lado, e isto não vai acontecer remotamente, exigindo um redesenho das práticas de aprendizagem na organização.

Ambiente corporativo é determinante, avalia Eliane Ramos | Crédito: ABRH Brasil

Saúde e capacitação

A pandemia mostrou que apenas ter acesso aos equipamentos de saúde não é suficiente para que as pessoas sejam saudáveis.Otimizar o investimento para que as equipes permaneçam saudáveis e engajadas é fundamental para a sustentabilidade das pessoas e, consequentemente, das empresas.

81% dos colaboradores se sentem em risco de burnout este ano, aponta o estudo. Para a presidente do Conselho da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH Brasil) e diretora-regional da Predictive Index (PI), Eliane Ramos, a pandemia deixou claro que o ambiente corporativo não é determinante apenas para a produtividade ou para o engajamento das equipes. É determinante para a própria permanência dos colaboradores naquela empresa.

“Quando a Covid-19 chegou ao Brasil, as pessoas tiveram muito medo de perder o emprego e muitas realmente perderam. Mas o tamanho da tragédia humana que vivemos levou muitos à reflexão. As pessoas estão deixando seus empregos em busca de uma melhor qualidade de vida, e isso não tem, necessariamente, a ver com a remuneração ou só com isso. Elas querem ter tempo para ficar com a família, ter contato com a natureza e se sentir realmente pertencentes a algo maior, que tenha um propósito. E já é hora das empresas tomarem consciência disso”, alerta Eliane Ramos.

Em que pese o número recorde de desempregados no País, novas demandas exigem uma nova qualificação. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o trimestre encerrado em fevereiro, revelam uma taxa de desemprego de 11,2%. Levantamento da agência de classificação de risco Austin Rating, que compilou projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre a economia em 102 países, aponta que o Brasil será a 9ª economia com a pior estimativa de desemprego no ano, de 13,7%. A média global será de 7,7%.

Ao mesmo  tempo, quase todos os funcionários (91%) que responderam a pesquisa da Mercer relataram ter desenvolvido recentemente uma nova habilidade, mas 98% das empresas relatam lacunas significativas de competências e habilidades em sua organização.

Mantovani: planejar ações de recrutamento faz a diferença | Crédito: Robert Half

A 19ª edição do Índice de Confiança Robert Half (ICRH) analisou os resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), que, após passarem por uma metodologia própria da consultoria, revelaram que a taxa de desemprego entre os profissionais qualificados, pessoas a partir dos 25 anos e com formação superior completa, chegou a 4,9% no quarto trimestre de 2021, índice mais baixo desde o quarto trimestre de 2015, quando a taxa alcançou 4,3%. Em comparação, a taxa de desemprego da população em geral, que inclui essa categoria de profissional, foi de 11,1%. Ao analisar o mesmo período do último ano, o índice de desemprego dos profissionais qualificados recuou 1,4 ponto porcentual. Já em relação ao trimestre imediatamente anterior, a taxa retrocedeu 1,1 ponto porcentual, confirmando o bom momento do mercado de trabalho qualificado no final de 2021.

“É preciso quebrar o mito de que, por conta do alto índice de desemprego geral, há muitos profissionais qualificados à disposição do mercado. Os bons talentos não estão tão disponíveis, além de frequentemente contarem com mais de uma proposta em mãos em uma situação de movimentação. Nesse cenário, ser estratégico e planejar ações de recrutamento e seleção faz toda a diferença”, completa o diretor-geral da Robert Half para a América do Sul, Fernando Mantovani.

Kate Braver: tecnologia tanto contribui como soluciona | Crédito: Mercer

O trabalho remoto, as novas tecnologias e a digitalização da economia possibilitaram novos modelos de trabalho, formatos de negócios e, ao mesmo tempo, deixaram clara a força da coletividade e da cooperação entre as pessoas.

A experiência intensa deixou marcas. A porcentagem de funcionários que relatam sentir-se energizados caiu significativamente – de 74% em 2019 para 63% este ano, o nível mais baixo nos sete anos de história deste estudo. Mas, ao mesmo tempo, os funcionários estão mais otimistas sobre o que o futuro reserva: quando solicitados a descrever o futuro do trabalho, 51% das respostas apontaram que eles esperam que seja mais equilibrado, com mais tempo para a família, hobbies, saúde e aprendizado. Em suma: flexibilidade e propósito guiam o sonho de futuro ideal dos trabalhadores.

“A tecnologia é tanto um contribuinte quanto uma solução. Aprimorar a adoção digital, melhorar a comunicação da visão estratégica e abordar a complexidade organizacional será fundamental. Isso requer uma reformulação da experiência de trabalho através das lentes da experiência de vida, além de um redesenho do RH com base nas interações desejadas com os novos profissionais que ocupam nossos ambientes de trabalho”, pontua a autora do relatório e líder global de Soluções de Consultoria e Insights da Mercer, Kate Bravery.

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