O fim do superministro

29 de abril de 2020 às 0h10

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Crédito: Ueslei Marcelino/Reuters

Maurício Loboda Fronzaglia*

Quando anunciado como ministro da Justiça do recém1-eleito presidente Jair Bolsonaro, o juiz Sérgio Moro viu as portas se abrirem para a construção de políticas públicas de combate à corrupção. O presidente, por sua vez, ganhava um aliado que lhe aumentaria o apoio popular.

Tal foi a aparência do casamento político entre os dois. Na essência do cálculo político, o presidente terceirizava o combate à corrupção para o ministro e poderia se eximir das possíveis crises e denúncias que surgissem. O sucesso do ministro seria um ponto positivo para o presidente que o indicou, já o insucesso poderia ser colocado todo na conta do ministro. Ao presidente caberia dizer, “nomeei o maior nome de combate à corrupção e não deu certo”.

Para Sérgio Moro, o cálculo político trazia alternativas muito sedutoras além do combate à corrupção. Ele estaria muito mais perto da indicação para uma vaga no Supremo Tribunal Federal. Poderia ficar algum tempo no governo, deixar uma marca e seguir para o STF.

Havia também a possibilidade de aumentar a sua já grande popularidade pelas ações que empreendesse no Ministério da Justiça. Neste caso, Moro acumularia um capital político quase sem precedentes e se colocaria como candidato quase que imbatível para as próximas eleições presidenciais. Os dois caminhos anunciavam um divórcio neste casamento político. No primeiro caso seria amigável, no segundo caso o caminho seria cheio de intempéries.

A convivência e os imperativos das atividades cotidianas do poder colocaram os dois atores, presidente e ministro, em atrito por várias vezes no decorrer desses 16 meses de governo. O plano anticorrupção do ministro não teve o suporte do presidente que desejava. Em uma das suas lives, o presidente disse que o ministro da Justiça teria que esperar sua vez para ter seu projeto como prioridade no Congresso.

No início do ano, houve o atrito sobre a figura do juiz de garantias, além disso, o presidente quis tirar a Secretaria de Segurança Pública da pasta da Justiça, dando-lhe uma pasta própria. No fundo, o presidente queria ter mais poder de intervenção nesta área e na Polícia Federal.

Essa não seria a primeira nem a última tentativa de interferência. Moro não gostou. A repercussão foi de tal forma negativa que a ideia foi deixada de lado pelo presidente. Durante a crise da pandemia do Covid-19, o presidente se queixou do silêncio do seu ministro em defendê-lo.

Cada um desses atritos oferecia ao ministro da Justiça mais uma justificativa para sua saída do governo. Ao ministro caberia dizer que não conseguira colocar em prática todas suas ideias e planos porque o presidente não o deixou.

O cenário já estava preparado para esse possível desfecho. Não se sabia o tempo, não se sabia a ação que desencadearia.

O fato determinante veio nos últimos dias, como bem relatam as reportagens. O presidente quis substituir o diretor da Polícia Federal por alguém que lhe fosse mais próximo e que lhe desse acesso a informações sobre os processos que poderiam prejudicá-lo. O presidente quer retirar a autonomia da Política Federal para sua proteção e para seu benefício político. O ministro não viu uma alternativa possível que não sua saída do governo. Permanecer seria apequenar-se.

O divórcio se consumou. O ex-juiz deixa o ministério sem tantos danos a sua imagem e continua seguindo a construção da narrativa de herói que tanta popularidade lhe dá desde a Lava Jato. O presidente perde credibilidade, perde apoio e se envolve em mais uma crise criada por ele mesmo (que parece ser sua especialidade no governo). Para terminar o texto com o auxílio de Maquiavel, “o presidente vive mais uma crise que evidencia que seu poder veio da fortuna, não da virtude”.

*Doutor e mestre em Ciência Política e graduado em Ciências Sociais. É pesquisador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie

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