Salvar a economia ou salvar a vida?

1 de abril de 2020 às 0h10

img

Nair Costa Muls*

Em importante posicionamento, economistas mineiros, professores de Economia da Face/UFMG deram grandes e fundamentais contribuições à reflexão sobre a crise que nos abate e a estratégias a serem adotadas pelos governos federal, estadual e municipal de maneira imediata e imprescindível.

O conhecimento do Manifesto, lançado há alguns dias, se coloca, portanto, como fundamental para o nosso público em geral e para os empresários mineiros, todos eles, através de suas entidades, também empenhados em entender essa crise e em estabelecer estratégias para minorar seus efeitos, a curto e longo prazos.

Os assinantes do referido Manifesto consideram como uma tese falaciosa e abjeta, uma “aberração ética e mesmo uma impostura científica,” esse caminho colocado à nação pelo governo Bolsonaro: ou se salva a economia ou se salva vidas humanas. Diga-se de passagem, que a economia não é um fim em si mesmo, mas é um caminho para atingir um fim, ou seja, o direito a uma vida digna para todos, sobretudo dos excluídos, o direito à saúde, ao bem-estar e o avanço da humanidade. Retoma-se aqui o conceito das políticas de bem-estar social, procurando atender as maiorias marginalizadas, que possibilitou a retomada dos países europeus depois da crise gerada nos idos de 1929.

São dez as medidas propostas:
A primeira delas é a garantia de renda à população vulnerável, ou seja, transferência de renda aos trabalhadores do setor informal e desempregados.
Em segundo lugar, a ampliação imediata dos recursos do SUS, para que ele possa atender as pessoas afetadas pelo coronavirus: construção de leitos de campanha, compras de kits de exames para o Covid-19, compra de insumos e equipamentos de proteção das equipes profissionais, ampliação do sistema de transporte nas áreas remotas, fortalecimento dos profissionais da atenção primária e utilização dos agentes comunitários de saúde para monitoramento de casos e grupos de riscos, assim como a definição imediata de uma regulação de uso dos leitos privados no SUS.

Outras medidas visam ainda à sobrevivência, em condições minimamente dignas, das classes mais prejudicadas com a crise: a ampliação do seguro- desemprego, a suspensão do pagamento de contas para a população de baixa renda e garantia de renda mínima básica por pelo menos um ano.

As demais medidas têm caráter mais econômico, dirigindo-se, sobretudo, às pequenas e médias empresas: o abandono imediato da meta fiscal e a implementação de política de subsídios diretos, principalmente para pequenas e médias empresas; a suspensão imediata do pagamento de custos financeiros de pequenas e médias empresas, sobretudo do setor comercial e o fornecimento de liquidez e crédito subsidiado via BNDES, bancos estaduais de desenvolvimento e bancos comerciais púbicos, assim como o adiamento do prazo de obrigações fiscais e redução de juros (6ª). E a 8ª, que propõe a reconversão produtiva de amplos segmentos da indústria de máquinas, equipamentos e automotiva a serem direcionadas para a produção de peças e equipamentos e para a área de saúde.

As últimas medidas exigem uma participação mais efetiva e direta dos recursos do Estado, como a política para populações de aglomerados, comunidades e favelas com obras de saneamento, urbanização e programa habitacional de longo prazo (7ª); investimentos públicos em infraestrutura em parceria com a iniciativa privada (9ª); e o redesenho imediato do teto de gastos, já que o processo de recuperação da crise levará tempo e demandará a atuação direta e recursos do Estado (10ª).

Dois pontos centrais, portanto: 1. minimizar o tamanho da epidemia no País, e para isso, a quarentena é fundamental, pois o isolamento social é essencial para se diminuir a transmissão, sabendo-se que ainda estamos no início da pandemia, que a contaminação ainda está crescendo e que só atingirá o pico na terceira semana de abril, diz a pneumologista e pesquisadora da Fiocruz, Margareth Dalcolmo. Assim, qualquer medida no sentido de flexibilizar esse isolamento será prejudicial e pode levar a um novo aumento da transmissão do vírus. 2. Estabelecer urgentemente políticas econômicas para diminuir e controlar o custo econômico, que é grande. Nesse sentido, a grande indústria, o grande capital financeiro podem e devem dar a sua parte, já que têm ganho tanto.

Algumas já o fazem: a ArcelorMittal, por exemplo, destinará uma verba de R$ 4 milhões para a infraestrutura de hospital em Monlevade; a Ambev e a Natura também estão fazendo a sua parte. A ACMinas está trabalhando por um Pacto Nacional, envolvendo governo, empresários e sociedade civil para enfrentar os desafios que se colocam. O Senado e a Câmara aprovaram um auxílio de R$ 600,00, por três meses, destinado aos trabalhadores, autônomos, informais e sem renda fixa. E o governo finalmente anuncia uma programa de R$ 40 milhões destinado às pequenas e médias empresas para financiamento das folhas de pagamento com uma taxa de 3,75% ao ano, seis meses de carência e 30 meses para pagamento. É urgente ainda a liberação de linhas de crédito diferenciada, com isenção de juros para garantir o fluxo de caixa/capital de giro das empresas, suspensão de recolhimentos de tributos devidos, seja à União, seja aos Estados.

O momento exige de todos nós uma mudança: pessoal, espiritual e social. Cooperação e solidariedade são fundamentais para construirmos um novo mundo, onde um pós-capitalismo, ou um capitalismo humanizado, seja possível. E o Estado pode e deve assumir a direção desse movimento, ao invés de despejar dinheiro para socorrer os especuladores e o mercado financeiro. Afinal, sem que a sociedade tenha dinheiro para consumir, não adianta produzir…

Os professores que assinaram o referido Manifesto representam a excelência do corpo docente da UFMG, composto por doutores e pós-doutores, com larga experiência no magistério, na pesquisa, na produção científica e mesmo na direção da Universidade, de órgãos públicos (BDMG) e órgãos governamentais (Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (2014). Entre eles, Clélio Campolina Diniz, professor emérito, João Antônio de Paula, Marco Crocco, Mauricio Borges Lemos e Mauro Borges Lemos, Amilcar Viana Martins Filho, Bernardo Campolina Diniz, Cândido Guerra Ferreira, Cândido de Lima Fernandes, Frederico Gonzaga e Gustavo Brito, entre muitos outros, todos eles de excelente nível.

*Doutora em Sociologia, professora aposentada da Fafich/UFMG

Facebook LinkedIn Twitter YouTube Instagram Telegram

Siga-nos nas redes sociais

Comentários

    Receba novidades no seu e-mail

    Ao preencher e enviar o formulário, você concorda com a nossa Política de Privacidade e Termos de Uso.

    Facebook LinkedIn Twitter YouTube Instagram Telegram

    Siga-nos nas redes sociais

    Fique por dentro!
    Cadastre-se e receba os nossos principais conteúdos por e-mail