EDITORIAL | Tolerância tem limite
14 de janeiro de 2022 às 0h30
Houve quem imaginasse que o fracassado ensaio de golpe no 7 de setembro do ano passado, além da sucessão de cobranças mais duras do Judiciário, teria sido, para o presidente da República, uma espécie de freio. Acuado num primeiro momento, Bolsonaro parecia menos propenso a desafios tão imaturos quanto inúteis. A calmaria durou pouco e, depois de nova hospitalização, talvez revigorado, o presidente saiu atirando em seus alvos preferenciais na Justiça Eleitoral. Sem explicar por que, fossem outras as condições, apenas reiterando seu dever, o presidente garantiu que as eleições de outubro serão limpas e, demonstrando que não esgotou sua capacidade de surpreender, apontou as Forças Armadas como fiadoras de um processo “limpo e transparente”.
O assunto, pelo menos na perspectiva do presidente, parece longe de se esgotar e ele voltou a apontar desconfiança com relação às urnas eletrônicas, novamente sem apresentar pelo menos algum indício que sustente suas dúvidas, mas adiantando que o Ministério da Defesa fez questionamentos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) emendando que “não serão com bravatas que nós vamos aqui aceitar o que querem impor à nossa população”. Seria uma referência nada sutil aos resultados de pesquisas de opinião que conferem a seu principal oponente o dobro de pontos na preferência dos eleitores?
Repetitivo, sem trazer qualquer elemento novo ao debate, Bolsonaro dessa vez não conseguiu acender a fogueira que ardeu em outras ocasiões. Ao contrário, teria recebido em Brasília sinais de incômodo das Forças Armadas, que começa a perceber que está sendo usada e manipulada impropriamente. De qualquer forma, são sinais que precisam ser tomados na devida conta, na medida em que evidenciam que, na opinião do chefe da Nação, só serão “limpas e transparentes” eleições que lhe garantam um segundo mandato, ficando qualquer outro resultado na conta de manobras que promete evitar a qualquer custo. O recado, ainda que tenha tido pouca repercussão, não poderia ser mais explícito, mesmo que totalmente vazio de conteúdo.
São acontecimentos que preocupam, que recomendam atenção e vigilância, seja do Legislativo, do Judiciário e, sobretudo, diante do que foi repetido agora, das próprias Forças Armadas, que assim como não podem se desviar de suas funções – que estão dentro das quatro linhas da Constituição que o presidente tanto gosta de apontar – são usadas como instrumento de pressão, procedimento que certamente colide com suas responsabilidades, seus valores e, sobretudo, seu papel. Silêncio, nessa hora, pode se transformar em conivência.
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